30 novembro 2009

A Trilogia de Nova Iorque


"Agora, de repente, como se o mundo se tivesse afastado de si, com pouco mais para ver do que uma vaga sombra que dava pelo nome de Black, dá por si a pensar em coisas que nunca lhe tinham ocorrido antes, e isto começou também a preocupá-lo. Se, neste ponto, pensar é talvez uma palavra demasiado forte, um termo ligeiramente mais modesto – especulação, por exemplo – não andaria longe da verdade. Especular, do latim speculatus, que significa espiar, observar, derivado da palavra speculum, que significa espelho. Ora, espiar Black do outro lado da rua é como se Blue estivesse a olhar para um espelho, e em vez de estar apenas a observar-se a si próprio. A sua vida abrandou tão drasticamente que Blue é agora capaz de ver coisas que previamente escapavam à sua atenção. Por exemplo, a trajectória da luz que atravessa o quarto todos os dias, e a maneira como a certas horas o sol reflecte a neve no canto mais distante do tecto do seu quarto. O pulsar do seu coração, o som da sua respiração, o pestanejar dos seus olhos – Blue tem agora consciência destes ínfimos acontecimentos, e por mais que se esforce por os ignorar, eles persistem na sua mente como uma frase sem sentido incessantemente repetida. Sabe que não pode ser verdade, e contudo aos poucos esta frase parece adquirir um significado."

in "A Trilogia de Nova Iorque" de Paul Auster

27 novembro 2009

Bruxelas, Bélgica

MIM (Musée des Instruments de Musique), Bruxelas


Adorei a visita ao MIM.
Belíssimos instrumentos muito bem documentados (escrita e musical).

16 novembro 2009

O Outono do Patriarca


… mas aprendera a viver com essas e com todas as misérias da glória, à medida que descobria no transcurso dos seus anos incontáveis que a mentira é mais cómoda do que a dúvida, mais útil do que o amor, mais perdurável do que a verdade, tinha chegado sem espanto à ficção de ignomínia de mandar sem poder, de ser exaltado sem glória e de ser obedecido sem autoridade, quando se convenceu no rasto de folhas amarelas do seu Outono de que nunca havia de ser dono de todo o seu poder, que estava condenado a não conhecer a vida senão pelo avesso, condenado a decifrar as costuras e a corrigir os fios da trama e os nós da urdidura da gobelina de ilusões da realidade, sem suspeitar, nem sequer demasiado tarde, de que a única vida vivível era a de mostrar, a que nós víamos deste lado que não era o seu, meu general, deste lado de pobres onde estava o rasto de folhas amarelas dos nossos incontáveis anos de infortúnio e dos nossos instantes inapreensíveis de felicidade, onde o amor estava contaminado pelos germes da morte, mas era todo o amor, meu general, onde mesmo o senhor era apenas uma visão incerta de uns olhos lastimosos através dos vidros poeirentos da janela de um comboio, era apenas o tremor de uns lábios taciturnos, o adeus fugitivo de uma luva de cetim da mão de ninguém de um ancião sem destino que nunca soubemos quem foi, nem como foi, nem se foi apenas uma patranha da imaginação, um tirano de brincadeira que nunca soube onde estava o avesso e o direito desta vida, …

in "O Outono do Patriarca" de Gabriel García Márquez

13 novembro 2009

"Se recordo quem fui, outrem me vejo,
E o passado é o presente na lembrança.
Quem fui é alguém que amo
Porém somente em sonho.
E a saudade que me aflige a mente
Não é de mim nem do passado visto,
Senão de quem habito
Por trás dos olhos cegos.
Nada, senão o instante, me conhece.
Minha mesma lembrança é nada, e sinto
Que quem sou e quem fui
São sonhos diferentes."
Ricardo Reis (F. P.)

12 novembro 2009

BookCrossing - Wild release

OBCZ Mapa Kyoto em Braga, Portugal - libertei (wild release) os livros "A queda da casa de Usher" de Edgar Allan Poe e "Segredos" de Danielle Steel, em Novembro de 2009

04 novembro 2009

bola de Berlim


"A história parece remontar à Segunda Guerra Mundial. Uma refugiada judia alemã em Portugal, para sobreviver, dedicou-se ao fabrico caseiro e à venda directa de um bolo que aprendera a confeccionar no seu país natal. Tratava-se de um frito de massa de farinha doce moldada como uma esfera na qual se injectava uma compota vermelha e se aprontava polvilhando de açúcar a superfície gordurosa. O nome de baptismo, Berlinner Ballen, aportuguesou-se, os consumidores apreciaram o produto e a disseminação foi rápida. Os pasteleiros nacionais atentos ao fenómeno da procura adoptaram-na de imediato e nacionalizaram a receita introduzindo-lhe a modificação que descrevemos e se traduz apenas pela omissão da compota primitiva e a sua substituição pelo creme depositado na abertura horizontal."
in Notícias magazine (crónica de Lima Reis)