30 agosto 2012

Fahrenheit 451


"Montag mostrou-lhe o livro:
- É o Antigo e o Novo Testamento, e...
-Ah! Vais começar!
-É talvez o último exemplar que existe nesta parte do mundo.
- Não creio que ele saiba que livro roubei eu. Mas como escolher um substituto? dar-lhe-ei Jefferson? Thoreau? Qual o que tem menos valor? Se escolho um e, por acaso, Beatty sabe qual roubei, vai pensar que eu tenho uma biblioteca inteira.
Mildred crispou os lábios.
- Vê lá o que fazes! Estás a meter-nos num bom sarilho! Que é que te interessa mais, eu ou a Bíblia?
Ela começou a chorar, sentada como uma boneca de cera que derrete com o próprio calor. A Montag parecia-lhe ouvir a voz de Beatty.
- Senta-te Montag. Olha bem. Delicadamente como às pétalas de uma flor. Deita fogo à primeira página, depois à segunda. Cada uma se transforma numa borboleta negra. Anda, hem? Acende a primeira página na segunda e assim sucessivamente, umas atrás das outras, capítulo por capítulo, todas essas noções absurdas que as palavras evocam, todas falsas promessas, todas essas ideias em segunda mão e essas filosofias antiquadas.
Beatty lá estava, transpirando ligeiramente, o chão juncado de fragmentos negros que tinham sucumbido numa única tempestade."

in "Fahrenheit 451" de Ray Bradbury

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"Fahrenheit 451 - a temperatura a que um livro se inflama e consome..."
É com estas palavras que o escritor inicia o seu livro publicado em 1953. Ray Bradbury ficou celebrizado com este romance que foi adaptado ao cinema por François Truffaut

17 agosto 2012

O Deus das Moscas


 
"A maré subia e havia apenas uma faixa de praia entre a água e a refuga branco e obstrutor, junto do terraço do palmar. Rafael escolhe a faixa dura para o seu piso, pois necessita de pensar, e só aqui pode mover os pés sem ter de os observar. De súbito, caminhando à borda-de água, sente-se esmagado de surpresas. Descobre que compreende o tédio da sua existência, em que cada caminho é uma improvisação, e uma considerável parte do tempo em que está acordado é consumida em ver onde põe os pés. Detém-se diante da faixa, e, ao relembrar aquela primeira exploração entusiástica, como se ela fizesse parte de uma infância mais deleitosa, sorri escarninho. Volta-se e dirige-se para o terraço, suportando o sol na cara. Chegara a hora da reunião, e, enquanto caminha ao encontro dos esvaecentes esplendores solares, reconsidera cuidadosamente os pontos, do seu discurso. Não deveria haver qualquer engano nesta reunião, nenhuma corrida atrás do imaginário... Perde-se num novelo de pensamentos, que se tornam vagos por falta de palavras para os exprimir. Franzindo a testa, tenta de novo."

in "O Deus das Moscas" de William Golding
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"Lord of the Flies", título original de "O Deus das Moscas", foi publicado pela primeira vez em 1954 e foi a primeira novela deste escritor.
William Golding foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura em 1983.