02 fevereiro 2011
Todos os Nomes
"O Sr. José não se encontra nos últimos degraus de uma escada altíssima, olhando para baixo e observando como eles se vão tornando cada vez mais estreitos até se reduzirem a um ponto a tocar no chão, mas é como se o seu corpo, em lugar de reconhecer-se uno e inteiro na sucessão dos instantes, se encontrasse repartido ao longo da duração destes últimos dias, da duração psicológica ou subjectiva, não da matemática ou real, e com ela se contraísse e dilatasse. Sou definitivamente absurdo, repreendia-se o Sr. José, o dia já tinha vinte e quatro horas quando foi decidido que as tivesse, a hora tem e sempre teve sessenta minutos, os sessenta segundos do minuto vêm desde a eternidade, se um relógio começa a atrasar-se ou a adiantar-se não é por defeito do tempo, mas da máquina, o que eu devo ter, portanto, é a corda avariada. A ideia fê-lo sorrir frouxamente, Não sendo o desarranjo, pelo menos que eu saiba, na máquina do tempo real, mas na mecânica psicológica que o mede, o que eu deveria fazer era procurar um psicólogo que me reparasse a roda de escape. Sorriu outra vez, depois ficou sério, O caso resolve-se mais facilmente do que isso, aliás ficou arrumado por natureza, a mulher está morta, não há mais nada a fazer, guardarei o processo e o verbete se quiser ficar com uma recordação palpável desta aventura, para a Conservatória Geral será como se a pessoa não tivesse chegado a nascer, provavelmente ninguém virá a precisar destes papéis, também posso ir deixá-los em qualquer parte do arquivo dos mortos, logo à entrada, junto com os mais antigos, aqui ou além dá no mesmo, a história é igual para todos, nasceu, morreu, a quem vai agora interessar quem tenha sido, ..."
in "Todos os Nomes" de José Saramago
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