28 julho 2009

Rio das Flores

"Gerações de Flores tinham-se sentado como eles, naquela mesma varanda, em noites assim. Diogo pensava nisso, enquanto acendia com um longo fósforo o seu Partagas, comprado na Havaneza, no Chiado. Pedro só fumava ocasionalmente cigarros, que agora eram moda mesmo entre as mulheres. Mas bebia, gole a gole, a sua aguardente de zimbro, e também ele convocava a memória dos antepassados, ali, na varanda, ao lado do irmão, numa noite de lua quase cheia, com o calor do dia finalmente sepultado à sombra das azinheiras e o fantástico concerto das rãs na charca celebrando essa mágica hora de tréguas.
E, pela centésima vez na sua vida, Diogo pensou na incrível , inexplicável, magia daquele lugar."
in "Rio das Flores" de Miguel Sousa Tavares

24 julho 2009

Surpresa BookCrossing

Que simpática surpresa!
Desta vez o Bookcrossing contemplou-me com este lindo desenho juntamente com um livro. Este sol radioso deve ter iluminado o dia de muita gente. Um beijinho à pequenina artista!
Obrigada Alentejana!

21 julho 2009

Um Passo à Frente

" Jimmy acordou gradualmente, consciente ao princípio apenas de uma coisa: o frio glacial. Tinha os dentes a bater, o corpo dorido, os dedos das mãos e dos pés entorpecidos. E por que não conseguia ver? Por que não conseguia ver? À sua volta a escuridão era de breu, uma escuridão densa como nunca vira igual. À medida que despertava, apercebeu-se tamém que estava aprisionado em algo apertado, malcheiroso, estranho. Embrulhado! O pânico instalou-se e começou a gritar, a debater-se freneticamnete contra o que quer que fosse que o prendia. O material rompeu-se e rasgou-se mas, quando o frio tenebroso persistiu mesmo depois de ter conseguido libertar-se, o terror enlouqueceu-o. Havia outras coisas à sua volta, o mesmo tipo de barreiras malcheirosas, mas por mais que gritasse, rompesse, rasgasse, não conseguia encontrar uma saída, não conseguia ver uma partícula de luz nem sentir uma baforada de calor. Então gritou, rompeu, rasgou, com o coração a bater de forma ensurdecedora nos ouvidos, o silêncio quebrado apenas pelos ruídos que ele próprio fazia."

in "Um Passo à Frente" de Collen McCullough

11 julho 2009

A marca do assassino

"Nessa noite, estabeleceu a rota do iate para oriente e ligou o sistema de navegação automático. Ficou acordado na sua cabina, deitado na cama. Mesmo agora, depois de mortes incontáveis, não conseguia dormir na primeira noite após um assassinato. Quando fugia, ou quando estava em público, conseguia sempre manter-se concentrado e frio. Mas à noite chegavam os demónios. À noite via os rostos, um a um, como fotografias num álbum.
Primeiro vivos e vibrantes, depois contorcidos com o véu da morte, ou desfeitos pelo seu método preferido de matar, três balas no rosto. Então chegava a culpa, e dizia para consigo que não escolhera aquela vida. Fora escolhida para si. De madrugada, com o primeiro raio de luz da alvorada a espreitar pela janela, acabou finalmente por adormecer."

in "A marca do assassino" de Daniel Silva

07 julho 2009

"O Homem tem de se inventar todos os dias."
Jean-Paul Sartre
mix (imagem+texto) by Moonshine

06 julho 2009

O Jogo do Anjo

“Dobrei mil esquinas até pensar que me tinha perdido. Por fim, quando tive a certeza de ter já percorrido dez vezes aquele mesmo caminho, dei com a entrada da pequena sala onde me confrontara com o meu próprio reflexo naquele pequeno espelho em que o olhar do homem de preto estava sempre presente. Avistei um espaço vazio entre as lombadas de cabedal preto e, sem pensar, meti lá a pasta do patrão. Preparava-me para abandonar aquele lugar quando me virei , aproximando-me novamente da prateleira. Peguei no volume ao lado do qual tinha colocado o manuscrito e abri-o. Bastou-me ler duas frases para sentir mais uma vez aquele riso obscuro atrás de mim. Devolvi o livro ao seu lugar e peguei noutro ao acaso, folheando-o rapidamente. Peguei noutro, e noutro ainda, e assim sucessivamente até ter examinado dezenas de volumes que povoavam a sala e verificar que todos eles continham diferentes desenhos das mesmas palavras, que os escureciam as mesmas imagens e que a mesma fábula se repetia neles como um pas-de-deux numa infinita galeria de espelhos. Lux Aeterna.”

in "O Jogo do Anjo" de Carlos Ruiz Zafón

03 julho 2009

"O silêncio é a minha maior tentação."
Eugénio de Andrade
mix (imagem+texto) by Moonshine

02 julho 2009

Crepúsculo

"Era um pensamento que atormentava Lavinia: uma pessoa deixava de existir por degraus. Perto da Place des Vosges tinha passado por um monte de haveres pessoais que tinham sido deitados para a rua, os detritos de uma vida acumulados no passeio estreito. Quase tudo tinha sido vasculhado e espalhado, ficando apenas aquilo que estava partido ou não tinha préstimo. Lavinia tinha parado na rua estreita, chocada com a terrível solidão de tudo aquilo: maços de cartas, empapadas em chuva, um cesto de bicicleta torcido, roupas demasiado usadas ou antiquadas para que algum passante as levasse.
Ficaram uns livros com as lombadas danificadas, um guia de criação de cogumelos a que tinham sido arrancadas as ilustrações, o volume R de uma enciclopédia, com nódoas intermitentes de tinta azul. Escorrendo para fora do passeio, acumulados na sarjeta, viam-se cheques usados e recibos e facturas, com a anotação de pagas, Réglé escrito numa letra delicada, fina. Foi a caligrafia que fez Lavinia parar e curvar-se para observá-la mais de perto. Tinha um toque muito pessoal, como uma voz ténue que procurasse dar sentido áquilo que o tinha perdido. Percebeu que era letra de mulher mesmo antes de descobrir o nome. Solange Montagnac.
Então tudo se resumia áquilo, pensou Lavinia. No fim, era tudo o que restava. Uma vida podia reduzir-se a meia dúzia de traquitanas sem importância. "

in "Crepúsculo" de Katherine Mosby

01 julho 2009

BookCrossing - Wild release

Hotel Nacional de Cuba em Havana, Cuba – libertei (wild release) o livro “El Primo Basilio” de Eça de Queirós em junho de 2009.

A particularidade na escolha deste livro para libertar em Havana, tem a ver com o facto de ser uma tradução para espanhol de um livro de um dos melhores escritores portugueses e, ainda, porque Eça de Queirós foi cônsul de Portugal em Havana.