28 outubro 2011

O Manuscrito de Sir Charles


"Não sentiu qualquer dor. Tinha sido uma queda com sorte, sem repercussões físicas. Surpreendido olhou à sua volta para ver se alguém tinha notado a sua escorregadela e o estrago feito na parede. Por sorte sua, ninguém tinha entrado na biblioteca. Não queria arranjar problemas com os monges cartuxos que com tanta solidariedade o tinham acolhido e, menos ainda, ter de justificar que, por seu descuido, tinha partido um azulejo que provavelmente dataria do século XII. Reinstalou o azulejo juntando com cuidado os pedacitos deste no seu lugar. Com pastilha elástica profusamente mascada – a sua companheira nessa etapa da sua vida em que tentava deixar de fumar -, reuniu os segmentos mais pequenos no seu sítio, tentando disfarçar esse rasto quase imperceptível que indicava uma rachadela. Recolheu igualmente as duas ou três esquartelas que tinham caído para o chão ao descascar-se o azulejo e pô-las no bolso para não deixar rasto. Depois, de forma descuidada, acomodou sobre o azulejo um enorme madeiro para melhor disfarçar o estrago.
Como é natural, não pôde deixar de retirar esses papéis do seu esconderijo secreto antes de colocar o azulejo no seu sítio. Acossado pela curiosidade decidiu inspeccioná-los imediatamente. Atravessou rapidamente a antecâmara para sair da biblioteca. Dissimulando as folhas de papel na sua samarra de capibara, dirigiu-se para a cela. Pensativo mas excitado por essa surpreendente e inesperada descoberta, interrogava-se em que língua estariam esses papéis escritos, quem os teria escrito e, sobretudo, qual seria o tema que tinha levado o autor a escondê-los num covil secreto da biblioteca em vez de os tornar públicos. Escondê-los porquê? Escondê-los de quem?"

in "O Manuscrito de Sir Charles" de Carlos Alberto Torres

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