"Passou outra semana irreal, sem poder concentrar-se em nada, a comer mal e a dormir pior, a tentar perceber sinais cifrados que lhe indicassem o caminho da salvação. Mas a partir de sexta-feira invadiu-o uma tranquilidade sem motivos que interpretou como um prenúncio de que nada de novo aconteceria, que tudo quanto havia feito na vida fora inútil e não tinha maneira de continuar: era o fim. Na segunda-feira, porém, ao chegar à sua casa, na Rua das Janelas, deu com uma carta que flutuava na água empoçada no saguão e reconheceu imediatamente no sobrescrito molhado a caligrafia imperiosa que tantas mudanças na vida não tinham feito mudar e até acreditou reconhecer o perfume nocturno das gardénias murchas, porque o coração já lhe dissera tudo logo ao primeiro assombro: era a carta que esperara, sem um momento de sossego, durante mais de meio século."
in "O Amor nos Tempos de Cólera" de Gabriel García Márquez
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