02 outubro 2009

Mulher em Tons de Tango


"O tango ficava a ganhar se fosse dançado com raiva. Havia outras danças que requeriam pés ágeis mas não venenosos. Em contrapartida, neste ritmo tão saltitante filtrava-se um rancor. Mireya fechou os olhos e deixou-se levar para um mundo sem cores, a preto e branco, onde o homem e a mulher ficavam reduzidos aos seus traços essenciais, rigorosos como dois algarismos. O homem fazia o contrário da mulher. Outros passos. Mas não era exactamente o oposto. Nunca eram simétricos. Não eram como reflexos num espelho. As imagens dele nela e dela nele pareciam distorcidas. Se se pudesse falar de espelho, seria de um espelho quebrado. Dançavam frente a frente duas pessoas desconhecidas que se contemplam perfeitamente no seu desconhecimento mútuo. A harmonia do desencontro. Eles não eram sequer o oposto um do outro. Eram uma fractura do reflexo e o seu único terreno de entendimento, uma linha de fuga."
in "Mulher em Tons de Tango" de Alicia Dujovne Ortiz

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