16 novembro 2009

O Outono do Patriarca


… mas aprendera a viver com essas e com todas as misérias da glória, à medida que descobria no transcurso dos seus anos incontáveis que a mentira é mais cómoda do que a dúvida, mais útil do que o amor, mais perdurável do que a verdade, tinha chegado sem espanto à ficção de ignomínia de mandar sem poder, de ser exaltado sem glória e de ser obedecido sem autoridade, quando se convenceu no rasto de folhas amarelas do seu Outono de que nunca havia de ser dono de todo o seu poder, que estava condenado a não conhecer a vida senão pelo avesso, condenado a decifrar as costuras e a corrigir os fios da trama e os nós da urdidura da gobelina de ilusões da realidade, sem suspeitar, nem sequer demasiado tarde, de que a única vida vivível era a de mostrar, a que nós víamos deste lado que não era o seu, meu general, deste lado de pobres onde estava o rasto de folhas amarelas dos nossos incontáveis anos de infortúnio e dos nossos instantes inapreensíveis de felicidade, onde o amor estava contaminado pelos germes da morte, mas era todo o amor, meu general, onde mesmo o senhor era apenas uma visão incerta de uns olhos lastimosos através dos vidros poeirentos da janela de um comboio, era apenas o tremor de uns lábios taciturnos, o adeus fugitivo de uma luva de cetim da mão de ninguém de um ancião sem destino que nunca soubemos quem foi, nem como foi, nem se foi apenas uma patranha da imaginação, um tirano de brincadeira que nunca soube onde estava o avesso e o direito desta vida, …

in "O Outono do Patriarca" de Gabriel García Márquez

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