16 janeiro 2011
Livro
"Nas suas mãos, a cor da capa estava esbatida pela quantidade de tempo que tinha passado fechado na mala, enquanto olhar para ele a magoava. O peso parecia diferente, a sua realidade era diferente da sua lembrança, da sua cicatriz. Assim, sentiu ainda um tremor antigo quando arrumou o livro na mala, ao lado do pequeno farnel embrulhado num guardanapo de pano, ao lado da carteira, das chaves. E, na madrugada seguinte, levou-o consigo para a biblioteca.
Havia de ganhar coragem.
Ao terceiro dia, respirou e, quando acreditou que ia começar a ler, houve alguma coisa que a distraiu, uma empregada da biblioteca que a chamou para lhe falar de um assunto das casas de banho, os espelhos, e só voltou ao livro, quando já era hora de sair. Estava na mesa onde o tinha deixado e admirou-se, escancarou a boca. O livro estava mexido. Alguém o tinha aberto numa página, número 224, e feito pequenos círculos a lápis, à volta das seguintes palavras: gosto, de, ti. Três palavras distribuídas pela página com círculos à volta. Olhou em redor e, ao longe, entre pessoas distraídas, viu o leitor de livros da biblioteca a fixá-la. Desviou o olhar, guardou o livro na mala e saiu. De repente, estava na rua. Levava pensamentos a ganharem volume, como nuvens."
in "Livro" de José Luís Peixoto
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