"Que terá sonhado o Tempo até agora, que é, como todos os agoras, o ápice? Sonhou a espada, cujo melhor lugar é o verso. Sonhou e lavrou a sentença, pode simular a sabedoria. Sonhou a fé, sonhou as atrozes Cruzadas. Sonhou os gregos que descobriram o diálogo e a dúvida. Sonhou o aniquilamento de Cartago pelo fogo e pelo sal. Sonhou a palavra, esse grosseiro e rígido símbolo. Sonhou a sorte que tivemos ou que agora sonhamos ter tido. Sonhou a proa do norueguês e a proa do português. Sonhou a ética e as metáforas do mais estranho dos homens, aquele que morreu uma tarde numa cruz. Sonhou o sabor da cicuta na língua de Sócrates. Sonhou esses dois curiosos irmãos, o eco e o espelho. Sonhou o livro, esse espelho que nos revela sempre outro rosto. Sonhou o espelho em que Francisco López Merino e a sua imagem se viram pela última vez. Sonhou o espaço. Sonhou a música, que pode prescindir do espaço. Sonhou a arte da palavra, ainda mais inexplicável do que a música, porque inclui a música. Sonhou uma quarta dimensão e a forma singular que a habita. Sonhou o número da areia. Sonhou os números transfinitos, a que não se chega contando. (….) Sonhou a vida dos espelhos. Sonhou os signos que o escriba sentado traçara. Sonhou uma esfera de marfim que encerra outras esferas. Sonhou o caleidoscópio, grato aos ócios do doente e da criança. Sonhou o deserto. Sonhou a madrugada que espreita. Sonhou o Ganges e o Tamisa, que são nome de água. Sonhou Alexandre da Macedónia. Sonhou o muro do Paraíso, que deteve Alexandre. Sonhou o mar e a lágrima. Sonhou o Cristal. Sonhou que Alguém o sonha.”
in "Os Conjurados" de Jorge Luís Borges
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