15 março 2013

A Morte Feliz

"Entre o vermelho do fogo, a palpitação do despertar da sala e a vida secreta dos objectos familiares que a povoavam tecia-se um poema, uma fuga, que predispunha Mersault a aceitar com um ânimo diferente, com confiança e amor, aquilo que Zagreus ia dizer-lhe. Recostou-se no cadeirão, e, de olhos fitos no céu, começou a ouvir a estranha história de Zagreus.
- Tenho a certeza – começara ele – de que se não pode ser feliz sem dinheiro. Não tenho dúvidas sobre isso. Não gosto da facilidade, nem dos romantismos. Gosto de saber como são as coisas. Pois bem, tenho notado que em certas pessoas de escol existe uma espécie de snobismo espiritual quando afirmam que o dinheiro não faz a felicidade. Parvoíce. Mentira. E, em certa medida, cobardia. Ora veja, Mersault, para um homem bem-nascido, ser feliz nunca foi complicado. Basta seguir o destino de toda a gente, não por desistência ou renúncia, como é o caso de tantos falsos grandes homens, mas com uma apetência de felicidade. A única coisa de que se precisa para se ser feliz é de tempo. Muito tempo. A felicidade é, ao fim e ao cabo, uma questão de longa paciência. E quase sempre passamos a vida a ganhar dinheiro, quando o que era preciso era ganhar tempo através do dinheiro. Esse é o único problema que sempre me interessou. É um problema preciso e claro."

in "A Morte Feliz" de Albert Camus
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Albert Camus, escritor nascido na Argélia e galardoado com o Prémio Nobel da Literatura em 1957, é o autor deste romance que foi publicado postumamente. Após a morte de Camus vários documentos foram reunidos e publicados englobando o que se chamou Carnets Albert Camus. A Morte Feliz foi o primeiro volume, desses cadernos, a ser publicado.  

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