20 março 2013

O Adeus às Armas


"Continuámos a comer. Ouviu-se um ruído que parecia tosse, ou de uma locomotiva a pôr-se em movimento, e em seguida uma explosão que abalou novamente a terra.
- Este abrigo é pouco profundo – disse Passini.
- Foi um grande morteiro de trincheira.
- Foi, sim, senhor.
Comi o resto do meu pedaço de queijo e bebi mais um gole de vinho. No meio do barulho distingui novamente aquela tosse, depois o tchu-tchu-tchu-tchu – e de súbito um relâmpago como quando se abre de repente a porta de uma fornalha de fundição, um ribombar, branco primeiro, depois vermelho, num súbito revólver de ar. Procurei respirar, mas senti a respiração cortada, pareceu-me sair para fora de mim, cada vez mais, mais para fora, envolvido naquela ventania. Todo o meu ser fugia rapidamente, e sabia que estava morto e que era um erro supor que se morria e estava acabado; depois tive a impressão de flutuar, e em vez de ir para a frente senti-me recuar. Respirei e tinha voltado a mim. O solo estava todo revolvido e diante da minha cabeça havia uma trave despedaçada. Na confusão da minha cabeça ouvi alguém chorar. Pensei que fosse alguém a gritar. Procurei mover-me mas não pude. Ouvi as metralhadoras e as espingardas disparando do outro lado e ao longo do rio. Houve um grande clarão e os foguetões subiram, rebentaram, flutuaram, brancos, no ar, os morteiros ergueram-se e eu ouvi as granadas, tudo isto num momento, e então ouvi alguém dizer junto de mim: << Mamma mia! O mamma mia! >>

in "O Adeus às Armas" de Ernest Hemingway
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A Farewell to Arms - título original deste romance que tem a particularidade de o seu autor ter escrito 47 finais diferentes até encontrar "as palavras certas", segundo o que ele referiu numa entrevista.
Em 2012, foi editado um livro, nos EUA, que inclui os finais imaginados por Hemingway, bem como rascunhos e anotações de outras passagens do livro.

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