26 setembro 2009

Os Insolentes

"Mais uma vez, depois da partida de Louise, a solidão instalou-se no prado estreito que a sombra preenchia. Realmente a noite levou tempo a instalar-se, mas para Maud a sua investida foi brutal e decisiva. Pensou que de repente acordara na escuridão. Brilhavam luzes ao longe, no horizonte. Já não se ouviam os pássaros, mas, do matagal ali à volta, chegava o gri-gri dos grilos e sons de fuga misteriosa. Ouviu um assobio muito ao longe: era o comboio para Bordéus, o das nove. De costume, quando era pequena, era numa cozinha quente ou durante um serão pacífico que ouvia assim o apelo da locomotiva. Assobiava por diversas vezes, com intervalos regulares, separados por verdadeiros abismos de silêncio, no fundo do qual pareciam esconder-se perigos obscuros, ameaças surdas. O comboio descia o declive do planalto, em direcção ao Semoic, com um ranger infernal de ferro-velho. A curva era perigosa, sempre mergulhada em bruma e disfarçada pelos álamos de Uderan. Imaginava-se o aparecimento daquele monstro como se a bruma e os bosques dessem à luz."

in "Os Insolentes" de Marguerite Duras

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